quarta-feira, 29 de abril de 2009

Continuação...

Novos Vampiros

A medida que os segundos escorriam pelo relógio e se transformavam lentamente em horas, eu sentia uma nova onda de espasmos dominar meu corpo, uma confusão mental iniciara a ânsia e o desconforto que eu vinha sentindo anteriormente. Aquele embrulho no estomago, as mãos suando frio. Fitei o corpo de Cristina no chão, não em choque, mas com uma sensação de vazio. Talvez ela não precisasse morrer. O que foi que eu fizera? Ela estava morta. Gelada no chão, com os olhos arregalados. Levantei-me. Só conseguia sentir-me enjoado e com um gosto estranho na boca. O que eu faria com aquele corpo? Não poderia ir preso. Ela era uma puta sem vergonha, fora apenas um crime passional. Mas a policia talvez não entendesse. Faltava o agravante do flagra. Agachei-me ao lado do corpo tocando com as pontas dos dedos a ferida no pescoço. As marcas sumiam a medida que esfregava a pele dela. Segui a direção dos seus olhos petrificados que observaram o tempo todo o fogão. Olhei para as panelas. Ela parecia ter me dado uma resposta, inconscientemente, mas me dera. Talvez desse certo. Aceitei aquele olhar como um perdão, e a perdoei também por ter estragado o nosso jantar daquela noite.
Acendi o fogão e deixei a comida borbulhando por um certo tempo. Um pano perto o suficiente da chama e esperei pegar fogo. Logo todo o lugar estaria em chamas. Fechei a porta da frente e me demorei na janela do nosso quarto onde eu pularia o muro para um terreno vazio na rua de trás. Dei uma ultima olhada no pequeno quarto pensando em levar alguma coisa.
Olhei nossa foto sobre a cômoda. Éramos tão jovens e tão inocentes. Eu era inocente. Achando que casar com a menina doce que crescera na mesma rua que eu e conquistara meus pais, resolveria todos os meus problemas. Olhei o maço de cigarro pela metade sobre a cômoda e não senti vontade de fumar pela primeira vez desde nosso casamento, a medalhinha da virgem que minha mãe me dera estava jogada entre as roupas sobre a cama. Não passava de um símbolo para mim, agora sem significado nenhum. O quadro do time de futebol na parede em cima da cama não passava de um recorte idiota de jornal.
Não havia nada daquela vida que eu gostaria de levar embora.
O cheiro de queimado me fez pular a janela de uma vez e ir embora sem olhar pra trás, ignorando o pandemônio que se formava na rua, com a fumaça e as chamas já visíveis.
Eu não sabia ao certo que tipo de mudança havia se operado em mim, mas sabia que era algo que não haveria volta.
Tinha poucas notas na carteira, mas não me surpreendi quando me vi entregando o dinheiro em um guichê em troca de uma passagem para longe dali. Tudo o que eu sempre quisera era arrumar minhas malas e ir embora daquela vida qual eu fora condicionado sem ao menos dar meu consentimento.
Primeiro a noticia da gravidez. Eu idiota como sempre fora, aceitei casar no mesmo instante, até hoje não sei se aquele bebê era meu ou não, acho que não era não. Casamento. Aborto. Espontâneo ou provocado? Não sei dizer. Casa própria. Hipoteca. Mais trabalho. Carro. Demissão. Dois empregos. Faculdade pela metade, conseguir concluir o curso fora a coisa mais árdua a se fazer. Principalmente com Cristina em casa reclamando sempre de alguma coisa. “Você chegou tarde... Você não me leva mais para sair... Nunca temos dinheiro para nada... Preciso de um descascador de ovo e blá blá blá”. Só coisas inúteis, e cobranças, nunca estava bom o suficiente. Nada estava bom. E eu trancado naquele escritório maldito, oito a doze horas por dia, enquanto aquela puta se divertia com todos os caras da cidade. Vagabunda!
Entrei no ônibus e me acomodei no fundo, perto do banheiro ao lado da janela. Sentia meu corpo estremecer de raiva com as lembranças. Mas então eu me acalmei ao saber que nada mais daquilo me pertencia. Que agora não havia mais Cristina, contas a pagar, vizinhos intrometidos, cobranças no escritório, porque eu nunca mais voltaria lá, não havia mais nada com o que me preocupar. E o fato de saber que o corpo dela estava virando cinzas me trazia um conforto sobrenatural, era quase como um gozo de tanto prazer. Acomodei-me melhor no acento. As madeixas loiras das quais ela se orgulhava tanto agora tinham virado pó. Ela toda não passava de pó. Nunca mais ouviria sua voz aguda e irritante me gritando pela casa.